sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

PORTUGAL, PAÍS DE POETAS: Mário de Sá-Carneiro


                                      Quasí
   


Um pouco mais de sol — eu era brasa.            Momentos d'alma que desbaratei... 
Um pouco mais de azul — eu era além.           Templos aonde nunca pus um altar... 
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...        Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Se ao menos eu permanecesse aquém...        Ânsias que foram mas que não fixei... 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído    Se me vagueio, encontro só indicios...
Num baixo mar enganador de espuma;           Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E o grande sonho despertado em bruma,         E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
O grande sonho - ó dor! - quási vivido...          Puseram grades sôbre os precipícios... 

Quási o amor, quási o triunfo e a chama,         Num ímpeto difuso de quebranto,
Quási o princípio e o fim - quási a expansão... Tudo encetei e nada possuí...
Mas na minh'alma tudo se derrama...               Hoje, de mim, só resta o desencanto
Entanto nada foi só ilusão!                              Das coisas que beijei mas não vivi... 


De tudo houve um começo... e tudo errou...     Um pouco mais de sol - e fora brasa,
- Ai a dor de ser-quási, dor sem fim...              Um pouco mais de azul - e fora além.
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,       Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Asa que se elançou mas não voou...
                     Se ao menos eu permanecesse aquém... 

                                                       Almada Negreiros retratou o Poeta
                                         Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

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